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Nova Lei de Improbidade: exigência de IRPF dos servidores é inconstitucional

As alterações promovidas na Lei de Improbidade (lei nº 8.249/92) pela Lei federal nº 14.230/2021 vão muito além da simples exigência de dolo em todas as figuras de improbidade, inobstante o foco do noticiário jurídico neste último aspecto.

Aspecto pouquíssimo debatido pela doutrina, por ora, é a questão da exigência de declaração de IRPF como condição de posse e exercício do cargo público.

Assim, prevê a nova regra:

“Artigo 13  A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração de imposto de renda e proventos de qualquer natureza, que tenha sido apresentada à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
1º. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
2º. A declaração de bens a que se refere o caput deste artigo será atualizada anualmente e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, do cargo, do emprego ou da função.(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021).
§3º. Será apenado com a pena de demissão, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar a declaração dos bens a que se refere o caput deste artigo dentro do prazo determinado ou que prestar declaração falsa.”

Dessa forma, o caput da referida regra estabelece a exigência de apresentação da declaração de IRPF, e não mais (como na redação anterior) a simples declaração de bens.

A questão que surge em relação à nova regra jurídica é se a declaração do IRPF passaria — com a nova lei — à categoria de informação pública acessível a qualquer cidadão tal e qual o salário do servidor nos termos da jurisprudência do STF sobre a Lei de Acesso à Informação.

Outra forma de pensar sobre a lei seria que esta teria natureza de “sigilo compartilhado” nos moldes da jurisprudência da mesma Suprema Corte quanto ao tema da Lei complementar nº 105/2001.

Em síntese, a natureza jurídica da regra do artigo 13 da Lei de Improbidade Administrativa seria de regulamentação da publicidade dos atos da Administração (tal e qual a lei de acesso à informação) ou seria regra de combate aos ilícitos praticados por servidores públicos (tal e qual a Lei de Improbidade como um todo)?

O simples fato de tal regra estar inserida na Lei de Improbidade Administrativa não é — por si só — suficiente para indicar a natureza específica da regra.

É sabido pelos operadores do Direito que o Código Civil pode — eventualmente — ter uma regra de Direito Processual, assim como é possível que o CPC — acidentalmente — tenha regra de Direito material inserida em seu regramento.

Para Boaventura de Souza Santos, em texto no periódico Folha de S.Paulo [1]o importante não é o nome que pomos às coisas, mas antes as coisas que pomos nos nomes”.

Partindo-se da premissa de que a modificação da Lei de Improbidade estaria em consonância com a Lei de Acesso à Informação, a declaração de IRPF seria publicizada com a entrega ao setor de RH.

Sobre referida lei, vale citar a decisão do então ministro do STF Ayres Brito na SS 3.902-AgR,:

“(…)
2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo ‘nessa qualidade’ (§6º do artigo 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano”.

Caso acolhida a interpretação de que a nova exigência teria natureza de aprofundamento da Lei de Acesso à Informação, teríamos como limites à divulgação de tal informação os mesmos parâmetros da na referida decisão. Assim continuam sigilosos, os dados pessoais do servidor tais como RG, CPF, endereço residencial etc.

Não nos parece, porém, que essa seria a melhor hermenêutica, com a devida venia àqueles que discordem do entendimento de que a nova lei é uma regra de Direito Sancionador, tal e qual a lei de improbidade na qual está inserida essa nova regra.

O objetivo da norma não é escancarar as entranhas íntimas daqueles que optaram pelo serviço público, mas, sim, facilitar o Direito Sancionador em face dos desonestos que emporcalham o serviço público.

Nesse diapasão, a regra deve seguir, necessariamente, as regras referentes ao “compartilhamento de sigilo” que foram objeto de discussão nas ADIs 2.386, 2.397, 2.859 e RE 601.314 junto ao STF.

Tais precedentes trataram da transferência de sigilo prevista na Lei complementar nº 105/2001 para facilitação da busca por ilícitos pela Receita Federal.

Esse também é o objetivo da regra do artigo 13 da Lei de Improbidade com a nova redação.

Portanto, a regra deve ter exatamente as mesmas cautelas que foram impostas pela Corte Suprema.

Dessa forma, à mingua de regulamentação específica do tema, a transferência do sigilo (ou seja, da declaração de IRPF apresentada pelo servidor ao respectivo RH somente poderá ser feita com a indicação de um processo administrativo específico que necessite de tal informação).

Vale citar os demais requisitos citados em matéria da prestigiada ConJur de 24 de fevereiro de 2016 [2] quando do julgamento das ações acima referidas:

“Os contribuintes também deverão ser notificados previamente sobre a abertura do processo e ter amplo acesso aos autos, inclusive com possibilidade de obter cópia das peças. Além disso, os entes federativos deverão adotar sistemas certificados de segurança e registro de acesso do agente público para evitar a manipulação indevida das informações e desvio de finalidade”.

Além das exigências estipuladas na jurisprudência do STF sobre o “compartilhamento de sigilo bancário”, outro aspecto merece destaque: a regra foi criada pela Lei Complementar 105/2001 e não por mera lei ordinária tal e qual a lei que inseriu a regra na Lei de Improbidade.

O artigo 192 da Carta Federal estabelece com clareza solar:

“Artigo 192  O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.

O sigilo bancário (além de outras regras do sistema financeiro) não pode ser vilipendiado por uma singela lei ordinária como a lei objeto deste texto.

Somente uma lei complementar poderia dispor sobre tema que afete o sistema financeiro.

Vale lembrar que o STF, no julgamento da ADI 1.376, decidiu que “ato do Conselho Monetário Nacional, no exercício de atribuição que lhe foi conferida pela Lei nº 4.595/64 (artigo 2º, inc. VI), recebida pela Carta de 88 como lei complementar…”. Ou seja, temas como o sigilo bancário exigem edição de lei complementar, e não uma singela lei ordinária.

Dessa forma, no modesto entendimento do autor, o artigo 13 da Lei de Improbidade só é aplicável quanto aos bens móveis e imóveis do servidor público não se aplicando a quaisquer modalidades de sigilo bancário/financeiro, já que somente uma lei complementar poderia criar novas hipóteses de “quebra” ou “compartilhamento” de sigilo bancário.

Não é possível amesquinhar-se o direito individual à intimidade com uma simples lei ordinária que — inobstante tenha boas intenções — desrespeita o princípio constitucional da legalidade; no caso específico, da necessidade de lei complementar para a exigência de invasão de tamanha envergadura na vida privada dos cidadãos/servidores.

Em síntese, a nova regra exige do servidor público a declaração do IRPF sem as informações que quebrem e/ou compartilhem dados bancários/financeiros.

Parece-nos que a regra deve ser objeto de ADI e, salvo melhor juízo, deve ter interpretação conforme, sem redução de texto para interpretá-la como aplicável apenas aos bens dos servidores públicos, não se aplicando às questões bancárias/financeiras do IRPF, que somente poderia ser objeto de disciplina por lei complementar. Em síntese, a nova regra, inserida no artigo 13 da Lei de Improbidade quando submetida à “interpretação conforme”, tem como resultado prático a aplicação muito próxima da regra anterior que foi revogada.

FONTE: JURISITE.