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Pela norma, ninguém será barrado por vestimenta, higiene ou falta de identificação. Também está previsto guarda volumes e local para guarda de animais.
Os tribunais devem se organizar para atender a um público que até hoje esteve pouco presente nos serviços judiciários do país: a população em situação de rua. O CNJ aprovou nesta quarta-feira, 21, resolução que institui a política nacional de atenção às pessoas em situação de rua. A medida determina que os tribunais de Justiça criem estruturas para atendimento, para que este público tenha acesso aos serviços do Judiciário, além de ir ao encontro dessas pessoas, com serviços itinerantes.
Pela norma, pessoas não poderão ser barradas pelas condições das vestimentas, de higiene pessoal ou falta de identificação. O atendimento deverá ser feito por uma equipe capacitada para atender as demandas sociais de forma humanizada. Não haverá agendamento prévio. Também está prevista a disponibilização de guarda volumes e local para guarda de animais de estimação.
O texto foi produzido por determinação do presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, que nomeou, em março, um grupo de trabalho com representantes do Sistema de Justiça e de entidades da sociedade civil com atuação reconhecida na área.
A coordenadora do grupo, conselheira Flavia Pessoa, foi relatora do Ato Normativo 0000671-18.2021.2.00.0000, que busca contemplar as necessidades de um grupo populacional heterogêneo que é caracterizado por experimentar pobreza extrema, falta de vínculos familiares e de moradia convencional regular. De acordo com o decreto presidencial 7.053/09, o primeiro a conceituar a população em situação de rua para fundamentar as suas políticas públicas do governo Federal, áreas degradadas das cidades servem como habitação - assim como os abrigos institucionais - e sustento.
A norma aprovada pelo Plenário conta com 40 artigos que detalham as formas como os tribunais deverão materializar o acesso à Justiça por meio desse serviço, que passa a ser especializado e prioritário. Uma equipe multidisciplinar será capacitada para garantir os direitos humanos desse público e articular suas demandas com a rede de assistência social. Para tornar efetivo o acesso, o atendimento deverá desburocratizado, com dispensa de agendamento prévio como requisito para o atendimento.
Também será um serviço humanizado. Serão recebidas nas dependências do Judiciário, por exemplo, crianças sem a companhia dos responsáveis e serão assegurados guarda-volumes e local para guarda de animais de estimação da população.
O atendimento à população em situação de rua se alinha ao eixo de gestão da presidência do ministro Luiz Fux que prioriza direitos humanos e meio ambiente.
Acesso negado
A primeira pesquisa do governo Federal, realizada em 2008 pelo Ministério do Desenvolvimento Social, constatou que a discriminação contra essa parte da população a impedia de entrar em estabelecimento comercial, de acordo com 31,8% dos entrevistados. Outros 29,8% afirmaram serem barrados em transporte coletivo, 26,7% em bancos, 21,7% em órgãos públicos, e 18,4% disseram terem sido negados o direito a atendimento na rede de saúde.
De acordo com a resolução do CNJ, essas pessoas não terão o acesso barrada à sede dos órgãos de Justiça por impedimentos, como vestimentas e condições de higiene pessoal ou falta de identificação civil. O texto prevê ainda que os órgãos de assistência social poderão requisitar os documentos necessários à emissão de documentação civil básica aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, com acesso facilitado e gratuito à Central de Informações de Registro Civil de Pessoas Naturais (CRC). De acordo com o estudo, 13,9% dos respondentes não tiveram o direito à emissão de documentos e 24,8% das pessoas em situação de rua não possuíam quaisquer documentos de identificação.
Comprovante de residência tampouco poderá ser cobrado de um cidadão que recorrer à Justiça em busca de seus direitos. A resolução prevê que o endereço de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) sirva como substituto em documentos requeridos pela Justiça.
Legitimidade
O acesso livre à Justiça para a população em situação de rua está previsto na legislação brasileira. De acordo com o artigo 3º da CF, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Entre os objetivos de desenvolvimento da ONU, estruturados na Agenda 2030, está tornar cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
"Em virtude do que foi mencionado, conclui-se que a instituição da Política Nacional de Atenção a Pessoas em situação de rua e suas interseccionalidades, no âmbito do Poder Judiciário, em muito contribuirá para a humanização e aprimoramento dos serviços ofertados pelos Tribunais pátrios às pessoas em situação de rua", afirmou em seu voto a conselheira, que também preside a Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários do CNJ.
Perfil
Com a Resolução, o CNJ espera incluir os cerca de 222 mil brasileiros que viviam nas ruas brasileiras, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado em março do ano passado, primeiro mês da pandemia da Covid-19 no país. A pesquisa de 2008 realizada pelo governo federal estimou essa população em 50 mil pessoas. O estudo identificou um perfil masculino (82%) dessa população, com predominância de negros (67%) e jovens, com idade entre 25 e 44 anos (53%). Embora composta por 70% de trabalhadores que sabem ler e escrever na maioria (74%), essa parcela da população não era atendida por programas governamentais, de acordo com 88% dos respondentes da pesquisa.
FONTE: MIGALHAS